2021-01-19

 Esta gente cujo rosto

Às vezes luminoso
E outras vezes tosco

Ora me lembra escravos
Ora me lembra reis

Faz renascer meu gosto
De luta e de combate
Contra o abutre e a cobra
O porco e o milhafre

Pois a gente que tem
O rosto desenhado
Por paciência e fome
É a gente em quem
Um país ocupado
Escreve o seu nome

E em frente desta gente
Ignorada e pisada
Como a pedra do chão
E mais do que a pedra
Humilhada e calcada

Meu canto se renova
E recomeço a busca
De um país liberto
De uma vida limpa
E de um tempo justo




Sophia de Mello Breyner Andresen | "Geografia"

2007-01-18

Em dia de partidas



Confiança

O que do fundo de alguns olhos vem tão
azul à superfície destina-se a transformar o que
em nós é apetência de morte no mais limpo e matinal voo de cotovia

Eugénio de Andrade (6.1.86 - Vertentes do olhar)

2006-12-18

Trocaram-me as voltas ao caminho. Mais voltas, sem perder o Norte, nem as convicções. O Jorge, que voltou a fazer um disco dos bons, empresta-me algumas palavras Vamos enganar o tempo saltar para o primeiro combóio que arrancar da mais próxima estação! Para quê fazer projectos quando sai tudo ao contrário? Pode ser que, por milagre, troquemos as voltas aos deuses Entre o caos e o conflito a vontade e a desordem não podemos ver ao longe e corremos sempre o risco de ir longe demais ...... Volto as costas ao vazio procuro o vento frio o caruncho pode desfrutar do meu velho sofá deixo as manchas de café o candeeiro de pé vou em busca do meu Norte ... Quantos pontos cardeais ficarão no cais da solidão? Quantos barcos irão naufragar quantos irão encalhar na pequenez da tripulação? Confio às constelações as minhas convicções quebro o gelo que se atravessar no rumo que eu escolhi o astrolábio que há em mim vai respirar enfim hei-de alcançar o meu Norte


2006-05-10

2ª feira, 8 de Maio, 10.30 h, Caminho do Tejo (entre Sacavém e Póvoa de Stª Iria - 1ª etapa de 5 dias) -

pela estrada nacional, centenas, milhares de peregrinos à beira da morte
aqui, caminho vazio, cheio de vida
um único peregrino (além de mim) durante uma manhã de muitas paragens...


T.F.


Viagem

Aparelhei o barco da ilusão
E reforcei a fé de marinheiro.
Era longe o meu sonho, e traiçoeiro
O mar...
(Só nos é concedida
Esta vida
Que temos;
E é nela que é preciso
Procurar
o velho paraíso
Que perdemos.)

Prestes, larguei a vela
E disse adeus ao cais, à paz tolhida
Desmedida,
A revolta imensidão
Transforma dia a dia a embarcação
Numa errante e alada sepultura...
Mas corto as ondas sem desanimar.
Em qualquer aventura,
O que importa é partir, não é chegar.


Miguel Torga, Antologia Poética, Dom Quixote

2006-04-27

“A gente estuda, estuda e cada vez fica com menos sensibilidade” – Hermeto Pascoal, citando um veterinário espantado pela reacção de uma avestruz doente à sua música - 27.04.06, TSF - Pessoal e transmissível.
Uma grande contribuidora para percebermos que são fundamentais boas observações e lucidez, quando pensamos o espaço.

Jane Jacobs (04.05.1916 - 25.04.2006)



Jacobs had no professional training in the field of city planning, nor did she hold the title of planner. She instead relied on her observations and common sense to illustrate why certain places work, and what can be done to improve those that do not. Together with William H. Whyte, Jacobs led the way in advocating for a place-based, community-centered approach to urban planning, decades before such approaches were considered sensible.

"Jane Jacobs' observations about the way cities work and don’t work… revolutionized the urban planning profession. Thanks to Jacobs, ideas once considered lunatic, such as mixed-use development, short blocks, and dense concentrations of people working and living downtown, are now taken for granted." -- Adele Freedman, The Globe and Mail

in http://www.pps.org/info/placemakingtools/placemakers/jjacobs e
http://en.wikipedia.org/wiki/Jane_Jacobs

2006-03-05

Depois de provar algumas voltas do labirinto, outro(s) caminho(s)
- do centro de Lisboa até ao resto do mundo

in RIBEIRO, Orlando (1938), «Le site et la croissance de Lisbonne», Opúsculos Geográficos, V Volume, Fund. Cal. Gulbenkian


"Lisboa nasceu no topo e nos flancos de um monte, abrupto por todos os lados, que domina a margem do Tejo para onde desce por uma das suas ladeiras menos íngremes. (...) Dois séculos após a Reconquista cristã, já a população transbordara para fora da muralha e com tal importância que D. Dinis mandou fechar da banda do rio este arrabalde, por novas obras de defesa - o muro da Ribeira - pondo-o assim a coberto das depredações dos piratas."

in RIBEIRO, Orlando (1935), «Crescimento de Lisboa», Opúsculos Geográficos, V Volume, Fund. Cal. Gulbenkian

"La vieille ville s'est d'abord étendue sur la versant méridional de la colline du château; puis la Baixa s'est structurée dans la vallée située à l'Ouest, entre la Ribeira et le Rossio; la conquéte des autres collines est plus récente et s'est surtout faite à partir des églises conventuelles."
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in RIBEIRO, Orlando (1938), «Le site et la croissance de Lisbonne», Opúsculos Geográficos, V Volume, Fund. Cal. Gulbenkian
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Eu vivo no meio das pernas... pernas para que te quero
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2005-07-19

A Provação do Labirinto




9 juillet - 28 août 2005 Labyrinthus Alsace, 68150 Ribeauvillé http://www.labyrinthus.com/

"...o facto de irmos e virmos, e de partirmos de novo, lembra-me um caminhar no labirinto. Ora, creio que o labirinto é por excelência a imagem de uma iniciação..."

Mircea Eliade, A Provação do Labirinto

2005-07-18


Reflexo ...

Os dedos colam-se ao corpo; e a luz
esplêndida dos cabelos molha o espírito
com que a olho.
... ... ...

Pego na tua mão pelo instante
em que hesitas. É melhor que o tempo
não dure. O que não se vive, fica
para outro dia, mesmo quando
não chega.

Nuno Júdice, Teoria Geral do Sentimento (adap.)
de pé à frente



Há no homem, como todos sabemos, o ilimitado da sua procura e o limite de tudo o que encontra. Nenhum sentimento perdura para além da sua realização. Nenhuma verdade se aguenta, se não desistirmos de a questionar. Nenhuma crença se nos inflama, se a não reanimarmos. Enquanto se realiza ou vive seja o que for, isso integra-se no homem e assim lhe não tem peso como o não tem o corpo que é seu. O homem é o ilimitado do seu caminhar. E tudo aquilo em que se vai realizando é só expediente para ir havendo caminho.
Vergílio Ferreira, Pensar

2005-07-13

aninho-me na tua presença distante
alinho a tua existência em mim
sigo
o teu rasto de luz

2005-07-08

Chamas
Chamas
Chamas...

E eu não oiço

É a luz duma outra chama que não me deixa ver-te

Chama
Londres a arder (4 bombas, mais de 50 mortos - http://pt.wikipedia.org/wiki/Atentado_em_Londres_de_7_de_julho_de_2005)

"São muitos os motivos de pessimismo e angústia, vários e ameaçadores os absurdos de que a nossa vida se rodeou e dos quais parece não poder prescindir. Só um humanismo renovado, mas fiel aos seus ideais de servir pela reflexão as mais nobres aspirações do espírito, é capaz de manter, entre as manchas sombrias do mundo de hoje, a débil claridade de uma esperança."

Orlando Ribeiro, 1960
...
...
Procuro encontrar. Quando procuro é porque não encontro. Quando encontro já não procuro. Pois. Procuro sempre mais do que encontro. E quando por fim encontro tudo o que procurava procuro encontrar algo para procurar.

2005-07-06

Para encontrar (não) preciso procurar
preciso de mão para agarrar

2005-01-18


Um renque de árvores lá longe, lá para a encosta.
Mas o que é um renque de árvores? Há árvores apenas.
Renque e o plural árvores não são coisas, são nomes.

Tristes das almas humanas, que põem tudo em ordem,
Que traçam linhas de coisa a coisa,
Que põem letreiros com nomes nas árvores absolutamente reais,
E desenham paralelos de latitude e longitude
Sobre a própria terra inocente e mais verde e florida do que isso!

Poemas de Alberto Caeiro, XLV


geofotografando

guindastes, antenas, janelas, telhados
as linhas rectas do mundo humano
que da minha varanda se alcança.
ao longe resta do Universo curvo
uma cercada fiada de árvores.

Não é o ângulo recto que me atrai,
nem a linha recta, dura, inflexível,
criada pelo homem.
O que me atrai é a linha curva livre e sensual,
a curva que encontro nas montanhas do meu país,
no curso sinuoso dos seus rios,
nas ondas do mar;
... de curvas é feito todo o Universo,
o universo curvo de Einstein.

Oscar Niemeyer, citado em O Rio como Paisagem, Maria da Graça Saraiva


Fotogeografando

dá-me alguma da tua pele terra
tu que não me pedes nada e
me apareces de noite vestida de
nudez pele terra e me abres caminhos
para que te conheça dá-me algum
do silêncio que me dás para que
nele te diga pele terra se de noite
me apareces iluminada de muitos
pássaros a nascer e a voar a
nascer e a voar silêncio pele terra
para que te conheça dá-me o que
dás a todos e nunca deste senão
a mim pele terra tu que me dás
os gestos das minhas mãos
a música das minhas palavras que
me dás pele terra esconde-te
dentro de mim

A Criança em Ruínas, José Luís Peixoto

2005-01-07

À VOLTA E DENTRO DA GEOGRAFIA

"O geógrafo deve pensar em conjunto."


"Quanto mais o homem se civiliza mais depende da natureza."


Citações de Ratzel por Silva Telles nas suas aulas de Antropogeografia (1930) in Orlando Ribeiro, Iniciação em Geografia Humana, Edições João Sá da Costa, Lisboa, 1986



"A Geografia pode aprender-se numa nesga de terra mas deve ser pensada nas dimensões do planeta"


O. Ribeiro, «Réflexions sur le métier de géographe», Études de Géographie Tropicale offertes à Pierre Gourou, 1972, in Orlando Ribeiro, Iniciação em Geografia Humana, Edições João Sá da Costa, Lisboa, 1986